Introdução
Recentemente, a Assembleia da República Portuguesa aprovou uma reforma substancial da Lei da Nacionalidade Portuguesa originalmente Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, com mudanças relevantes nos requisitos de atribuição e aquisição da nacionalidade.
Esta publicação apresenta uma análise dessas alterações: o que mudou, o que permanece, quais os efeitos práticos e os principais pontos de atenção para advogados e consultores de imigração.
1. Contexto Legislativo
- A Lei da Nacionalidade original, Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, regula a atribuição, aquisição e perda da nacionalidade em Portugal.
- Em 2025, como resposta ao crescente número de pedidos de nacionalidade e aos debates sobre ligação ao território português, o Governo apresentou proposta de alteração com efeitos a 19 de junho de 2025.
- Em 28 de outubro de 2025 a proposta foi aprovada em votação final global.
2. Principais Alterações Legislativas
Segue-se um comparativo entre o regime anterior e o novo regime aprovado.
| Tema | Regime anterior | Regime novo (2025) |
|---|---|---|
| Tempo mínimo de residência legal para naturalização | Em geral 5 anos para muitos requerentes. | Aumentado para 7 anos no caso de cidadãos da CPLP ou da UE; 10 anos para demais estrangeiros. |
| Aquisição por nascimento em Portugal | Filhos nascidos em Portugal podiam obter nacionalidade se um dos pais residisse legalmente há pelo menos 1 ano (ou outras condições). | Novo requisito: crianças nascidas em território português só terão nacionalidade se um dos progenitores residir legalmente no país há pelo menos 5 anos. |
| Prova de integração, língua, cultura | Já existia exigência de laços e conhecimento da língua em certas vias. Para os nascidos em países da CPLP o conhecimento era presumido. | A nova lei exige comprovativo de conhecimento da língua portuguesa, cultura, história e símbolos nacionais (via teste ou certificado). |
| Perda da nacionalidade | Existia regime para perda em caso de fraude ou dolo, mas menos abrangente. | Foram introduzidas normas para perda da nacionalidade em casos de obtenção por meios manifestamente fraudulentos; e em caso de condenação penal grave (pena efectiva igual ou superior a 2 ou 4 anos, conforme o texto) pode haver perda mas requer um processo judicial. |
| Aplicação retroativa / efeitos transição | Algumas vias anteriores permitiam contagens mais rápidas, etc. | A proposta previa que o novo regime se aplicasse para pedidos futuros, não para todos, como forma de evitar insegurança jurídica. |
3. Comentários Jurídicos e Implicações
3.1 Aumento do tempo de residência
Este aumento visa reforçar o requisito de ligação ao território português e reforçar a ideia de pertencimento. O sentimento de pertença a Portugal remonta do Código Manuelito – Ordenações Filipinas As Ordenações Filipinas, ou Código Filipino, é uma compilação jurídica que resultou da reforma do Código Manuelino, por Filipe II de Espanha (Felipe I de Portugal), durante o domínio castelhano. Ao fim da União Ibérica (1580-1640), o Código Filipino foi confirmado para continuar vigendo em. Portugal por D. João IV
As Ordenações Filipinas possuem redação com conteúdo predominantemente
político-administrativo, sendo bastante esparsos os dispositivos que tratam de
temas de direito privado. Trata-se de efeito imediato do Juramento de Tomar, haja
vista que Filipe I se comprometeu a respeitar os costumes portugueses. Assim,
enquanto ele poderia administrar e organizar Portugal, a população teria a
liberdade de manifestar suas tradições e costumes. Além disso, era de se levar em
consideração que Filipe I era filho de mãe portuguesa, Isabel de Portugal. Sendo
assim, conhecia boa parte da cultura lusitana, tornando-o um hábil regente para
tratar de assuntos portugueses.
Para advogados, significa que muitos requerentes que contavam com o regime de 5 anos precisarão recalcular os prazos ou ajustar estratégias.
3.2 Nacionalidade de crianças nascidas em Portugal
O novo critério de 5 anos de residência legal dos progenitores representa uma mudança significativa. Advogados que acompanham processos de nacionalidade para crianças nascidas em Portugal devem verificar se o progenitor cumpre esse tempo ou se o pedido foi iniciado antes da vigência das novas regras.
3.3 Prova de integração – língua, cultura e símbolos
O reforço desta exigência introduz um componente qualitativo à naturalização, além do tempo. Pode haver necessidade de exames ou certificados adicionais. Isso amplia o papel dos advogados em orientar sobre preparação de prova.
3.4 Perda da nacionalidade
A extensão das hipóteses de perda de nacionalidade (fraude, crime grave) reforça o caráter sancionador do regime. Do ponto de vista constitucional, surgem debates sobre proporcionalidade, revogabilidade e o risco de apatridia.
3.5 Segurança jurídica e transição
A não-retroatividade e os regimes transitórios (“grandfathering”) são cruciais para a proteção de expectativas legítimas. A lei preserva pedidos pendentes, desde que tenham sido iniciados antes da publicação da nova lei.
3.6 UM DOS PRINCIPAIS PONTOS:
Artigo 6.º
[…]
1- O Governo concede a nacionalidade portuguesa aos indivíduos que, no momento do pedido, satisfaçam cumulativamente os seguintes requisitos:
a) Serem maiores de idade, segundo a lei portuguesa;
b) Residirem legalmente no território português há pelo menos 7 anos, no caso de nacionais de países de língua oficial portuguesa e de cidadãos de Estados Membros da União Europeia, ou 10 anos, no caso de nacionais de outros países;
c) Comprovem, através de teste ou de certificado, conhecer
suficientemente a língua e a cultura portuguesas, a História e os símbolos nacionais;
d) Conhecerem suficientemente os direitos e deveres fundamentais inerentes à nacionalidade portuguesa e a organização política do Estado português;
e) Declararem solenemente a sua adesão aos princípios fundamentais do Estado de Direito Democrático;
f) Não terem sido condenados, com trânsito em julgado da decisão judicial, com pena de prisão igual ou superior a dois anos, por crime punível segundo a lei portuguesa;
g) Não constituírem perigo ou ameaça para a segurança ou a defesa nacional, nomeadamente pelo envolvimento em atividades relacionadas com a prática de terrorismo, criminalidade violenta, especialmente violenta ou altamente organizada;
h) Não sejam destinatários de medidas restritivas aprovadas pela Organização das Nações Unidas ou pela União Europeia, na aceção da Lei n.º 97/2017, de 23 de agosto;
i) Possuírem capacidade para assegurar a sua subsistência
4. Impactos Práticos para Brasileiros e Estrangeiros
- Para brasileiros residentes em Portugal: o aumento do tempo mínimo para naturalização significa que muitos que contavam alcançar nacionalidade após 5 anos precisarão aguardar mais tempo ou aproveitar pedidos já em curso.
- Para menores nascidos em Portugal de pais estrangeiros: será necessário comprovar residência legal prolongada dos progenitores.
- Para advogados de imigração: torna-se fundamental avaliar se o pedido foi iniciado antes da vigência da nova lei ou se deve aplicar os novos requisitos.
- Para Estados de dupla/nacionalidade: a cláusula de perda da nacionalidade em caso de condenação penal grave requer que se verifique o país de origem para evitar apatridia.
5. Riscos e Desafios Constitucionais
- A exigência de residência mais longa e outros filtros podem ser questionados sob a ótica dos direitos fundamentais, nomeadamente igualdade, não-discriminação e proteção da confiança. Volta-se à questão: até que ponto uma exigência de 10 anos é proporcional?
- A perda da nacionalidade como sanção acessória levanta debates sobre se se configura como “pena” e se deverá respeitar o processo penal especial ou direitos de defesa.
- A aplicação da lei a pedidos pendentes exige clarificação para evitar litígios em massa.
6. Recomendações para Profissionais do Direito
- Verificar data de entrada em vigor da nova lei e se o seu cliente iniciou pedido antes ou depois.
- Avaliar cuidadosamente se o requerente cumpre tempo de residência, prova de integração, condição de legalidade de residência, e se há antecedentes criminais.
- Para pedidos em curso: analisar se há cláusula de transição que permite aplicar regime “antigo”.
- Para crianças nascidas em Portugal: certificar-se da residência legal do progenitor.
- Monitore publicações no Diário da República para versão final da lei e regulamento de execução.
6.1 Aspectos polémicos
- A exigência de “meios de subsistência” poderá ser entendida como um filtro socioeconómico que limita o direito à nacionalidade.
- A previsão de perda da nacionalidade por fraude ou crime gerou debate quanto à proporcionalidade e aos efeitos na cidadania.
- O aumento do prazo de residência gera preocupação entre os candidatos à nacionalidade e suas famílias.
7. Conclusão
As alterações à Lei da Nacionalidade Portuguesa em 2025 representam uma mudança no regime: passam a vigorar critérios mais exigentes em termos de residência, integração e vínculo ao país. Para quem atua na área de imigração ou para quem pretende tornar-se português, torna-se essencial uma atuação estratégica, atenta ao tempo dos pedidos, à entrada em vigor e aos novos requisitos.
📌ATENÇÃO: Este post tem finalidade apenas informativa e não substitui uma consulta com um profissional. Para maiores orientações, procure por advogados especializados no assunto.
🇵🇹 OA 65073L
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