🧠 Análise Técnico-Jurídica do Acórdão n.º 1134/2025 do Tribunal Constitucional de Portugal

Acórdão n.º 1134/2025 proferido pelo Tribunal Constitucional (TC) de Portugal trata de um pedido de fiscalização preventiva de constitucionalidade apresentado por um grupo de 50 deputados da Assembleia da República contra normas introduzidas no Código Penal que previam a possibilidade de perda da nacionalidade portuguesa como pena acessóriatribunalconstitucional.pt+1


📌 1. Contexto e origem do processo

O pedido foi instaurado no âmbito do Processo n.º 1384/2025, registado em Plenário, tendo como Relator o Conselheiro João Carlos Loureiro. tribunalconstitucional.pt

O objeto de controvérsia decorre do Decreto da Assembleia da República n.º 18/XVII, aprovado em 28 de outubro de 2025 pela Assembleia da República e remetido ao Presidente da República para promulgação. Esse decreto introduzia no Código Penal português, por aditamento ao artigo 69.º-D, a previsão de pena acessória de perda da nacionalidade portuguesa em determinadas hipóteses. tribunalconstitucional.pt

Os deputados requerentes suscitaram a inconstitucionalidade das normas contestadas, suscitando questões relativas aos princípios constitucionais da igualdade, universalidade e o caráter fundamental do direito à nacionalidade previsto na Constituição da República Portuguesa (artigo 26.º, n.º 1). tribunalconstitucional.pt


📍 2. Estrutura da decisão

O Acórdão articula a sua fundamentação em três grandes tópicos:

🔹 a) Legitimidade e admissibilidade do pedido

O TC reconheceu a legitimidade dos requerentes com base no artigo 278.º, n.º 4, da Constituição e na Lei n.º 28/82 (Lei de Organização e Processo do TC), considerando que o pedido continha todos os requisitos procedimentais e formais para ser conhecido. tribunalconstitucional.pt


🔹 b) Princípio constitucional da cidadania

O Tribunal recorda que o direito à cidadania é um direito, liberdade e garantia fundamental consagrado no artigo 26.º, n.º 1 da Constituição. Esse direito, embora sujeito a regulamentação legal, goza de estatuto elevado dentro do sistema constitucional. tribunalconstitucional.pt

O TC sublinha que a Constituição não contém uma enumeração específica das causas que podem conduzir à perda da cidadania, mas exige que qualquer limitação a este direito esteja estabilizada na lei e respeite os princípios constitucionais de igualdade e proporcionalidade. tribunalconstitucional.pt


📍 3. Questões centrais de constitucionalidade examinadas

⚖️ (a) Violação do princípio da igualdade e da universalidade

O Tribunal concluiu que os n.os 5 e 6 do artigo 69.º-D, tal como introduzidos pelo decreto contestado, criavam uma diferença de tratamento injustificada entre cidadãos naturalizados e cidadãos de nacionalidade originária, ao submeter à pena acessória de perda da nacionalidade portuguesa apenas os primeiros quando praticassem determinado ilícito penal nos primeiros 10 anos após a aquisição da nacionalidade. tribunalconstitucional.pt

Segundo o TC, essa distinção violava o princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da Constituição por não se encontrar justificada materialmente nem ser compatível com a lógica de proteção do direito à cidadania. tribunalconstitucional.pt


⚖️ (b) Violação do princípio da proporcionalidade

O Tribunal avaliou a razoabilidade e a necessidade da restrição representada pela pena acessória de perda da nacionalidade, que constitui uma sanção extremamente gravosa por afetar um direito fundamental inerente à dignidade da pessoa humana. tribunalconstitucional.pt

Verificou-se que a norma objeto de fiscalização não demonstrava adequadamente uma conexão funcional suficiente entre a grave restrição constitucional e o propósito penal previsto (prevenção especial), tornando a norma desproporcional no contexto constitucional português. tribunalconstitucional.pt


⚖️ (c) Nexo jurídico entre pena acessória e direito à cidadania

O Acórdão também examinou a própria natureza da pena acessória criada, constatando que a norma atentava contra a ideia constitucional de que a cidadania, uma vez adquirida, representa um vínculo duradouro entre o indivíduo e o Estado, que não deveria ser sujeito a cessação arbitrária por via penal, sobretudo sem base constitucional clara. tribunalconstitucional.pt


📍 4. Conclusão jurisprudencial

Em suma, o Tribunal Constitucional concluiu que:

  • Os dispositivos questionados violavam o princípio da igualdade constitucional por introduzirem diferenciações de tratamento injustificadas;
  • A pena acessória de perda da nacionalidade era incompatível com a dignidade do direito à cidadania e com a lógica constitucional de proteção de um direito fundamental;
  • A restrição jurídica introduzida no Código Penal não reunia os requisitos constitucionais de necessidade, adequação e proporcionalidade exigidos para limitar um direito tão fundamental. tribunalconstitucional.pt

Assim, as normas do n.º 1 e de várias alíneas do artigo 69.º-D, aditadas pelo Decreto da Assembleia da República n.º 18/XVII, foram consideradas inconstitucionais e, portanto, não podem ser promulgadas nem aplicadas. 

📌 5. Relevância prática

Este Acórdão representa um marco jurisprudencial importante para a proteção do direito à nacionalidade portuguesa no contexto penal. Impede que a nacionalidade adquirida seja depreciada — mesmo que em regime penal — sem garantias constitucionais fortes, como igualdade e proporcionalidade. Também reforça que qualquer projeto legislativo que vise afetar a nacionalidade portuguesa deve respeitar a Constituição como um todo e não apenas a vontade política expressa em lei ordinária. tribunalconstitucional.pt

5.1. Comparação direta: Lei da Nacionalidade vs. normas inconstitucionais

Lei n.º 37/81Normas declaradas inconstitucionais
Nacionalidade como vínculo definitivoNacionalidade como estatuto condicional
Igualdade plena entre portuguesesDiferenciação entre originários e naturalizados
Oposição apenas antes da concessãoSanção posterior à aquisição
Proteção da confiança jurídicaInsegurança jurídica permanente
Regime taxativo de perdaRegime sancionatório expansivo

🧠 Conclusão

O Acórdão n.º 1134/2025 não altera a Lei da Nacionalidade — confirma-a.
Reafirma que:

a nacionalidade portuguesa, nos termos da Lei n.º 37/81, não é um favor do Estado, mas um direito jurídico pleno quando legalmente constituído.

Qualquer tentativa de relativizar esse vínculo, seja por via penal, administrativa ou política, encontra um limite claro na Constituição da República Portuguesa.

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