I. Introdução: da ilusão da regularização posterior ao risco jurídico imediato
Durante anos, consolidou-se no imaginário migratório a ideia de que entrar em Portugal como turista e regularizar posteriormente a situação seria uma via legítima, prática ou, ao menos, tolerada pela Administração.
Esse paradigma não subsiste no quadro jurídico atual.
A profunda reorganização institucional da política migratória portuguesa, a criação da AIMA, o acentuado volume de processos pendentes e a crescente densidade normativa transformaram a entrada sem visto adequado num risco jurídico sério, cumulativo e muitas vezes irreversível.
O que antes era exceção administrativamente contornável tornou-se, hoje, fragilidade estrutural do estatuto jurídico do imigrante.
II. A centralidade do visto no sistema jurídico português de imigração
O visto não é um mero requisito formal de entrada. Trata-se de um ato jurídico constitutivo de expectativa legítima de permanência, previsto e regulado pela Lei n.º 23/2007, de 4 de julho (Regime Jurídico de Estrangeiros).
Nos termos do artigo 6.º e seguintes da referida lei, a entrada e permanência em território nacional devem respeitar a finalidade expressa do visto concedido, sendo juridicamente distinto:
- o visto de curta duração (Schengen),
- o visto de residência,
- o visto para procura de trabalho,
- o visto CPLP.
📌 Não existe neutralidade jurídica na entrada.
A forma como o estrangeiro entra no território português condiciona todo o seu percurso jurídico subsequente.
III. A atual dificuldade da regularização administrativa na AIMA
A AIMA opera hoje num cenário de:
- elevado volume processual;
- critérios de análise mais restritivos;
- exigência reforçada de prova documental;
- aplicação rigorosa dos pressupostos legais de cada título de residência.
Neste contexto, a regularização posterior à entrada irregular deixou de ser uma expectativa razoável e passou a ser uma aposta de alto risco jurídico.
A Administração, vinculada ao princípio da legalidade (art. 266.º da CRP), não pode suprir, por conveniência social, a ausência de requisitos legais prévios.
IV. A ilicitude administrativa da permanência sem título adequado
A permanência em território nacional sem visto ou título de residência válido configura situação de irregularidade administrativa, com consequências expressamente previstas na lei:
- sujeição a notificação para abandono voluntário (NAV);
- eventual afastamento coercivo;
- aplicação de proibição de entrada;
- impacto negativo em futuros pedidos de residência ou nacionalidade.
📌 Importa sublinhar:
A irregularidade não se cura automaticamente com o tempo, nem com vínculos criados posteriormente.
V. A falsa segurança dos vínculos criados após a entrada irregular
Muitos imigrantes acreditam que:
- trabalhar em Portugal,
- constituir família,
- residir por longos períodos,
seja suficiente para legitimar a permanência.
Juridicamente, tal entendimento é equivocado.
Embora os vínculos pessoais e familiares tenham relevância constitucional, não substituem os pressupostos legais de entrada e permanência, servindo apenas como elementos de ponderação — nunca como título originário de legalidade.
VI. A erosão da confiança legítima e o risco de decisões irreversíveis
Ao entrar no território português sem visto adequado, o imigrante:
- inicia a sua permanência em situação juridicamente frágil;
- limita severamente os seus meios de defesa futura;
- expõe-se a decisões administrativas de difícil reversão.
A ausência de visto adequado retira densidade à confiança legítima, princípio essencial do Estado de Direito.
VII. O dever ético da advocacia: prevenir, e não remediar
Um advogado responsável não legitima atalhos.
Orienta com base na lei, não na exceção.
No atual contexto jurídico português, viajar sem o visto adequado não é estratégia — é vulnerabilidade.
A atuação preventiva, com:
- análise prévia do perfil migratório,
- escolha correta do tipo de visto,
- instrução adequada ainda no país de origem,
é a única via juridicamente sólida.
VIII. Conclusão: legalidade como condição de estabilidade
Portugal permanece um país de acolhimento, mas é, acima de tudo, um Estado de Direito.
A entrada em território nacional sem visto adequado compromete:
- a estabilidade jurídica do imigrante,
- a previsibilidade do processo administrativo,
- a proteção efetiva dos seus direitos fundamentais.
📌 Regularizar tornou-se difícil. Entrar corretamente tornou-se essencial.
A imigração segura começa antes da viagem — e não depois da chegada.
Você deve procurar sua advogada de confiança, discutir sua situação em uma consulta jurídica, e a partir da análise concreta do caso, decidir sobre as alternativas que lhe sejam apresentadas.
Rosinara Ferreira – Advogada no BR e em Portugal
rosinara@rosinaraferreira.com